- Como foi descoberta
Pode dizer-se que tudo começou na década de 30 quando o Dr. Américo Graça, de Póvoa de Varzim, observou doentes com uma forma estranha de alterações dos membros inferiores, localmente conhecida como «mal dos pezinhos». Entretanto, solicitou a apreciação do Prof. Corino de Andrade, o qual observou a primeira doente com sintomas diferentes dos habitualmente encontrados nas doenças neurológicas, em 1936.
«A doente com 37 anos, natural da Póvoa de Varzim, queixou-se de adormecimento, formigueiro e falta de sensibilidade térmica e dolorosa nos membros inferiores, com dificuldade na marcha, diarreias e perturbações nos membros superiores semelhantes às dos membros inferiores. Foi internada no Hospital Geral de Santo António e aí foi estudada. Em 1952, o Professor Corino de Andrade publicou na revista “Brain” uma primeira descrição da doença, então já com cerca de 70 doentes observados. A doença foi por ele denominada de polineuropatia amiloidótica familiar (PAF)», conta o enfermeiro Carlos Figueiras, presidente da Associação Portuguesa de Paramilóidose desde 1997. Mais tarde, em 13 de Julho de 1970, Corino de Andrade criou o Centro de Estudos de Neuropatologia, actualmente denominado Centro de Estudos da Paramilóidose. Segundo esclarece Carlos Figueiras, «esta instituição promove o rastreio dos doentes, a sua observação e tratamento, implementação de actividades que levam à individualização e caracterização dos diversos aspectos etiopatológicos da doença. Entre outras coisas, também coordena os estudos em curso mantendo os investigadores e profissionais de saúde informados».
- Os primeiros sintomas
Sobejamente conhecida como a «doença dos pezinhos», a paramilóidose não tem cura e é fatal. Mas, existem soluções capazes de devolver mais anos de vida. «Em geral, nos casos mais comuns, a paramilóidose manifesta-se no final da segunda década de vida ou início da terceira», diz o Dr. António Freire, hepatologista da Unidade de Transplantação do Hospital Curry Cabral, em Lisboa. E enumera a sintomatologia: «Começa com a sensação de adormecimento dos pés e pernas, acessos de dor fulgurante e perda de sensibilidade para a dor, frio e quente.»
Tais sintomas são, no entanto, desvalorizados pelos doentes. Isto porque na maioria dos casos existe um vincado historial familiar.
Segundo António Freire, «os doentes estão traumatizados porque viram morrer familiares muito próximos e apesar de terem a sintomatologia inicial não querem aceitar nem admitir que têm paramilóidose e, muitas vezes, nem fazem o diagnóstico». Após a manifestação inicial já referida, os indivíduos podem apresentar alterações do aparelho digestivo, em especial modificações do hábito regular do intestino. Por exemplo, se antes tinham diarreia passam a ter obstipação, ou vice-versa. O emagrecimento sem causa aparente é outro sintoma desta patologia. Mas, ainda não é tudo... «Com a progressão da doença toda a sintomatologia inicial acentua. Os doentes chegam a ficar sem sensibilidade até às coxas. A atrofia muscular acaba por alterar a marcha até ao ponto de deixarem de poder andar. Depois ficam acamados e morrem», sustenta o especialista, continuando: «Têm complicações cardíacas graves, sobretudo arritmias, e é frequente usarem pace-makers. Também podem sofrer paragens cardíacas, desnutrição grave e infecções ou insuficiência renal terminal em diálise.»
- O transplante é a solução
A esperança de vida destas pessoas é reduzida. Sobrevivem pouco mais de uma década após a manifestação dos primeiros sintomas. Porém, existe uma solução que confere qualidade de vida e mais anos de vida: o transplante hepático.«O diagnóstico deve ser precoce para que o transplante também o seja e para que, dessa forma, se assegure qualidade de vida ao doente», refere António Freire, sublinhando: «Se não houver qualquer tipo de complicações após o transplante, como rejeição do novo órgão, o doente retoma a vida familiar e profissional normalmente. Os sintomas permanecem, mas com regressão muito lenta.» Tal como todos os indivíduos sujeitos a um transplante, também os doentes com paramilóidose que foram transplantados têm de fazer uma terapêutica imunossupressora. Há, contudo, um inconveniente relacionado com a dita terapêutica, que acompanha o doente até ao final da sua vida. Conforme explica o hepatologista, «a medicação imunossupressora tem efeitos secundários, que podem comprometer a qualidade de vida, designadamente reacções gastrointestinais. E a população de doentes com polineuropatia amiloidótica familiar é especial, porque os sintomas digestivos estão sempre presentes. Além disso, são particularmente sensíveis à toxicidade farmacológica.»
Mas pode afirmar-se que se antes caminhavam a passos largos para a morte e não se mexiam, este tipo de complicações são um mal menor. É, porém, uma afirmação falsa. As reacções gastrointestinais interferem também, e muito, na qualidade de vida do doente. «De forma alguma se deve desconsiderar os efeitos adversos dos fármacos imunossupressores sobre o tudo digestivo, pois são bastante significativos», alerta António Freire, frisando que «existem medicamentos que minimizam reacções como as dores abdominais, a diarreia, as náuseas ou os vómitos». E acrescenta: «Em relação à nossa experiência no Hospital de Curry Cabral, houve três casos em doentes sujeitos a transplante hepático com resolução (total ou parcial) dos sintomas digestivos após conversão para micofenolato de sódio com revestimento entérico, sendo que estes doentes estavam previamente medicados com micofenolato de mofetil.» Relativamente à diferença entre as duas substâncias activas, o hepatologista diz que «o micofenolato de sódio é um sal do ácido micofenólico com revestimento entérico, cujos comprimidos libertam o princípio activo no intestino, melhorando a tolerabilidade gástrica comparativamente ao micofenolato de mofetil que liberta o principio activo no estômago. Ou seja, os comprimidos de micofenolato de sódio permitem a libertação do fármaco no intestino passando intactos pelo estômago, tendo portanto a vantagem de minimizar os efeitos secundários gastrointestinais»